Por que gostamos tanto de futebol?

Sempre me pergunto por que gostamos tanto de futebol. Eu mesmo, grande apreciador desse incomparável esporte, não consigo entender meu próprio gosto. Tento forçar a memória para me lembrar como me surgiu este apego tão inexplicável. Vejo-me com 14 anos em Cambará, no interior do Paraná, minha cidade natal.

Quando nasci, Cambará vivia as últimas glórias (moderadas, é verdade…) do CAC – Cambará Atlético Clube, campeão do Norte Paranaense em 1963 e 1964, um ano antes de se retirar do futebol profissional. Foi só anos depois, em 1974, que surgiu a Sociedade Esportiva Matsubara. Transformou-se logo no time de todos nós, cambaraenses.

Com meus 14 anos, eu era, modéstia à parte, um excelente goleiro. Jogava sobretudo no campinho de areia do Clube Norte, onde era convidado pelos “mais velhos” (os jovens de 18 a 20 anos…) para jogar com eles, que chegavam a brincar dizendo que o vencedor da partida era quem ganhava no par ou ímpar para começar a escolher o time – eu, que tinha então o apelido futebolístico de “Aranha”, era sempre o primeiro escolhido, garantia de que o time não levaria gols.

Quando me mudei para Curitiba, em 1976, minha família estabeleceu-se no Ahu. Logo procurei onde assistir a bons jogos de futebol, diversão rara na cidadezinha-sede do Matsubara. Pela proximidade, comecei a freqüentar o Belfort Duarte. Lá, assisti jogos como Brasil 1 x 1 Seleção Paranaense, naqueles esquisitos tempos em que a seleção brasileira treinava jogando contra seleções estaduais (enfrentando, naturalmente, sempre uma torcida contrária!). Um dia, tive o prazer de poder assistir ao “meu” Matsubara jogar no Couto Pereira. Era em 1977, numa rodada dupla (outra coisa rara hoje!). Lembro-me de outros dois times envolvidos nos confrontos: Atlético e Coritiba. Não me lembro do quarto, provavelmente Pinheiros ou Colorado. Mas me lembro bem que o Matsubara jogaria contra o Coritiba, enquanto o Atlético enfrentaria o outro time. Fiquei, naturalmente, junto à torcida do Atlético.

Quando chegou o ônibus com os torcedores da TOM (a Torcida Organizada do Matsubara – diga-se aqui de passagem, único caso de torcida dona de estádio, pois foi a TOM quem construiu o Estádio Regional de Cambará, que leva este nome por ser capaz de abrigar toda a população urbana do município!), fui recepcioná-los na entrada para conduzi-los junto à torcida do Atlético, com todo o cuidado, esclarecendo que aquele verde-e-branco não era do rival coxa.

Foi meu primeiro contato com o calor da torcida rubro-negra. Torcemos juntos, pelo Matsubara e contra o coxa. Quando tive que escolher um time na capital paranaense, não havia como escolher outro: tornei-me atleticano.

Bem, toda essa história não responde à pergunta do título. Afinal, por que tanto gosto? Depois de muito pensar e procurar teorias explicativas, tanto na Sociologia quanto na Psicologia, elaborei minha própria resposta: é um traço da nossa ancestralidade troglodita. Não precisamos mais caçar para comer, não temos mais que disputar as fêmeas a tacape e arrastá-las pelos cabelos para nossas cavernas. Ficamos órfãos da disputa física por território, comida e garantia de perpetuação da raça. Mas milênios de “civilização” não foram suficientes para que muitos de nós nos livrássemos do gene que nos impulsiona para a luta física da sobrevivência (louvo aqueles que o conseguiram e não gostam de futebol!).

Nós, então, trogloditas mal-civilizados, transferimos para aquele retângulo de grama toda nossa energia ancestral. É lá, dentro ou em torno dele, que fazemos a catarse da nossa ancestralidade bruta. É lá que descarregamos tudo que o instinto quase-animal reclama do nosso íntimo. Enxergamos no rival aquele que nos disputa o território, o tigre-de-dentes-de-sabre a abater, o alimento a conquistar. Esse é o grande e importantíssimo papel do futebol em nossas vidas!

Portanto, senhoras esposas, namoradas, noivas e amantes: não nos censurem o gosto pelo futebol. É para o bem de todos, pela segurança das mulheres brasileiras…

5 Comentários


  1. Caro irmão, não é só isso – ou não é isso, talvez. Não esqueça que, desde que nascemos (e quando você nasceu o Brasil já era bicampeão mundial), sofremos influência desse futebol, uma semi-lavagem cerebral. Não me lembro, dos círculos familiares comuns, de nenhum pai que comprasse uma bola de vôlei para brincar com o filhote…
    Avise seus leitores que o Belfort Duarte é, hoje, o Couto Pereira, só mudou de nome.
    E relembre aquele jogo do Matsubara contra o Coritiba, aí na capital, quando o ônibus das torcida visitantes não chegou e ficamos só eu e você torcendo pelo verde-branco algodoeiro. Quando o Matsubara fez um gol, nosso rojão – ou o barulho dele – até apareceu no jornal da noite, na TV (ainda se podia levar rojão ao estádio, na época).

    Responder

  2. Ah! Belas recordações! É verdade, um dia fomos os únicos torcedores do Matsubara contra o coxa no estádio do rival (o então Belfort Duarte, hoje Couto Pereira)…

    Responder

  3. Uma pena o Matsubara um dia ter tentado mudar para Londrina. Alias, no ano da mudança só não levaram a taça pois o Sueo, Neto e o Victor Hugo a cada semana visitavam uma praia diferente no nordeste, chapavam o cabeçote e depois voltavam para os jogos.

    A concentração do Matsubara era um verdadeiro bordel…eu conheço jogadores do Londrina que participaram das festinhas na chácara do Belinati…

    Infelizmente a pretensão do clube não era ser campeão…e seria também muito infeliz ser campeão fora de Cambará.

    Responder

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *