Minhas críticas à edição de hoje da Gazeta do Povo serão voltadas mais ao conteúdo do que à forma. Antes, devo louvar a atitude do principal jornal paranaense de enviar jornalistas a locais distantes para fazer coberturas especiais, como é o caso do Haiti (para onde foi a repórter Helena Carnieri), da região serrana do Rio de Janeiro afetada pelas chuvas (Bruna Maestri Walter e Daniel Castellano – este, fotógrafo) e Itália (Rosana Félix, em busca de informações sobre o caso Battisti).
A primeira crítica vai para a máteria “Um delinquente da pior espécie”, sobre o caso Battisti. A jornalista que foi à Itália usou como fontes, basicamente, parentes das vítimas supostamente assassinadas por Battisti. É óbvio que essas fontes tem toda pré-disposição para condená-lo. Qualquer estudante de Jornalismo – e provavelmente mesmo a grande maioria dos leitores de jornal – sabe que um princípio basilar do bom jornalismo é ouvir sempre todas as partes envolvidas. Não foi o que fez a repórter da Gazeta. A matéria é totalmente tendenciosa, pois ouve apenas fontes obviamente contrárias a Battisti. O próprio título, uma frase entre aspas, já indica a parcialidade editorial (aliás, previsível no caso de um jornal conservador como a Gazeta, cujos proprietários são ligados ao movimento Opus Dei).
Se a repórter quisesse fazer uma matéria parcial, mas puxando a brasa para outra sardinha, poderia ter ouvido apenas próceres da esquerda e conseguiria facilmente um título como: “Ele foi um herói da luta contra a opressão”.
Note-se que os próprios entrevistados contam que os nomes das vítimas frequentaram os noticiários como acusados de torturarem prisioneiros de esquerda. Mas, é claro, os parentes dizem que era mentira. Uma das “provas” é o relato do irmão de uma das vítimas, que conta que a família perguntou se as acusações tinham fundamento, e o acusado respondeu que não. Bela “prova”, não?
Não tenho opinião formada quanto ao caso Battisti, pois não conheço seus detalhes. Mas tenho opinião muito bem estabelecida quanto ao mau jornalismo, aquele que não busca relatar honestamente um fato, mas parte de uma posição pré-estabelecida para procurar fontes que confirmem essa posição. A honestidade jornalística exigiria que a repórter ouvisse o outro lado, o que ela não fez. Tomara que ela se redima e publique em seguida uma matéria com a versão omitida.
O mesmo erro, com gravidade bem menor, é cometido na matéria “3 paranaenses estão entre os 10 deputados com mais faltas” (de passagem: o título desrespeita duas vezes a convenção de redação jornalística – e também norma da ABNT – que estabelece a redação por extenso de números até dez).
Os três deputados mais faltosos não foram ouvidos. Tudo bem, trata-se de um fato: a relação de faltas é algo objetivo, matemático, que não exige explicações. Mas, uma vez que se trata de uma denúncia envolvendo os políticos, seria de bom tom dar-lhes a palavra e ouvir deles uma explicação.
Fugindo do assunto: a matéria cita o site Congresso em Foco, segundo o qual “as justificativas mais frequentes para as faltas são as viagens em missão oficial, licenças por questões médicas ou para tratar de interesses pessoais”. Só num país pouco sério mesmo uma justificativa aceitável para faltar ao trabalho é “tratar de interesses pessoais”. Dá para imaginar se fosse assim na iniciativa privada?
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como você bem alertou, mesmo nós, leitores, não formados em jornalismo ou com conhecimento técnico dos procedimentos, teríamos buscado conhecer a(s) outra(s) versão(ões) da história…
Será que as faculdades andam ensinando mal? Será que a sugerida desnecessidade de diploma de jornalismo não vai fazer desses erros uma coisa corriqueira?
Eu temo os que defenden que "o importante é se comunicar", independentemente do culto à forma. Vamos chegar no ponto em que, em vez de querer ser alguém melhor (profissionalmente), almejaremos apenas não ser o pior.
Vai mostrando os erros aí, que eu vou assinando embaixo aqui!
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Fala, Tomás.
Concordo com o seu ponto de vista. Mas penso que a intenção da série Battisti era revelar um pouco mais sobre o caso ouvindo todos os lados da história. A opção do jornal ou da repórter (não sei) foi mostrar um lado de cada vez, tanto é que, nas outras matérias, foi apresentada a versão da família do Battisti.
Sei que essa opção é digna de críticas porque nem todos os leitores acompanham o jornal todos os dias. Mas é uma forma de tentar dar espaço para toda a história, com detalhes e informações adicionais.
Abraços,
Vinicius Boreki
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Obrigado pelos comentários. Veja o post de hoje em que analiso a terceira reportagem da série (a primeira que dá a versão do outro lado).
Abraços e sucesso pra você!
Tomás.
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Caro Eriel:
As faculdades ensinam o correto, sim. Mas há o constrangimento das chefias sobre os jornalistas, a linha editorial do veículo e outros fatores que condicionam a produção noticiosa. E com certeza a exigência do diploma é uma barreira contra esse tipo de coisa, ainda que não consiga evitar totalmente – mas ao menos os diplomados sabem como devem agir eticamente.
Abraço,
Tomás.
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Excelente o comentário. No jornalismo não pode haver tendências na pauta, não pode haver premissas, predisposições ou hipóteses pré-concebidas também. A reportagem é uma pesquisa exploratória pela qual todos os envolvidos na questão ou a maioria deles devem ser percebidos e contatados.
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Paulo, obrigado pelo comentário. Seja bem-vindo e apareça sempre!
Abraço,
Tomás.