Homossexualidade e união civil

Na discussão sobre o reconhecimento da união civil entre pessoas do mesmo sexo do ponto de vista constitucional, há juristas de peso em ambos os lados. A Gazeta do Povo, principal diário de Curitiba-PR, publicou em 11/08 artigo do professor Ives Gandra Martins no qual ele defende que, por força constitucional, só pode ser considerada família “aquela decorrente ou do casamento ou da união estável entre um homem e uma mulher”. Sob o enfoque jurídico, sua posição é bem fundamentada, mas pode ser contestada, e efetivamente tem sido, pois se trata de uma discussão bastante complexa.

Entretanto, há no artigo do ilustre jurista afirmações descabidas quando ele foge da discussão estritamente jurídica. Afirma ele que “a criança deve ser educada segundo a ‘opção natural’, de atração entre pessoas de sexo diferente, uma vez que a denominada ‘opção sexual’ dos homossexuais só ocorre na adolescência ou quando adultos”. Tal ideia é hoje completamente descartada pelos especialistas que estudam a homossexualidade. Em primeiro lugar, porque não existe uma “opção”. Ninguém é homossexual porque escolhe ser. Para que isso fique claro, basta que um heterossexual se pergunte quando fez a “opção” por ser heterossexual – obviamente, essa opção nunca foi feita, pois não se trata de uma questão de escolha.

Estatisticamente falando, cerca de 10% das pessoas são homossexuais: trata-se de uma constatação prática, para além de ideologias e preconceitos. As “opções” do homossexual são aceitar ou não sua sexualidade (muitos não a aceitam por causa do preconceito social) e assumi-la ou não perante a sociedade (como se costuma dizer popularmente: “sair do armário” ou não). Essas sim, opções exercidas na adolescência ou na idade adulta.

Portanto, também não se pode dizer que a heterossexualidade seja “natural” e a homossexualidade, “antinatural”: a homossexualidade está presente na natureza – e, entre os seres humanos, atinge aproximadamente 10% das pessoas.

Espanta encontrar na argumentação de Ives Gandra Martins a alegação de que a adoção de crianças por homossexuais “levaria a ser imposto à criança um tipo de comportamento que a tiraria do caminho seguido pela esmagadora maioria das pessoas, de atração pelo sexo oposto”. Também esse argumento está fundado numa ideia completamente equivocada sobre supostas origens da homossexualidade. Filhos de homossexuais não são necessariamente homossexuais, assim como muitíssimos homossexuais são filhos de casais heterossexuais. Ser educado por homossexuais ou por heterossexuais não é fator determinante da sexualidade do indivíduo – caso contrário, nunca se veria um homossexual filho de um casal heterossexual e por ele educado.

Ademais, o célebre jurista ignora o direito das minorias. Por que aqueles que não têm o comportamento “da esmagadora maioria” não podem ser sujeitos de direitos? E por que um cidadão não pode legitimamente ter um comportamento diferente daquele da maioria?

No âmbito jurídico, há muito que se discutir sobre o reconhecimento da união civil entre pessoas do mesmo sexo, o que provavelmente só será resolvido perfeitamente com uma mudança na legislação – seja por força de uma emenda constitucional ou de um pronunciamento jurisprudencial. Já no âmbito social, é fácil perceber que a discussão é eivada de equívocos e, quase sempre, de preconceitos.

1 comentário


  1. Maravilhoso o texto! Você falou de uma questão polêmica com maestria… As ideias preconceituosas que existem precisam de argumentos lógicos como os seus… Gostei mesmo do texto… Vou recomendá-lo… Abraços!

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