Graficamente agradável na forma (capa muito bonita, ilustrações de ótima qualidade, bom projeto gráfico), melhor ainda no conteúdo.
Não é “mais uma obra qualquer”. Também não é um livro de leitura fácil – é feito para leitores inteligentes e habituados ao consumo de literatura. Tem consistência. Tem qualidade. Tem estilo.
Os 57 capítulos são cada um uma pequena história ou pedaços de histórias, que se juntam mais ou menos em um mosaico que, afinal, conta uma única história. Quem viveu no interior de décadas atrás vai se identificar.
O livro é triste, nostálgico. Os personagens são invariavelmente infelizes, presos, com alguns momentos de alegria. Alguns capítulos são um “soco no estômago”. O livro suscita muitas emoções, uma de suas qualidades.
Tem trechos destinados a antologias. Por exemplo, o capítulo 47, sobre o esquerdista desiludido – muito bom. E outros que deverão suscitar polêmica, como o 49, sobre um estupro.
Para dar um aperitivo do texto, um trecho do capítulo 36:
“O badalar do sino, tiras escarlates do Ângelus, cheiro de incenso no final do dia. O padre aumenta ou abaixa o volume da tristeza do acerto de contas do final do dia. O alto-falante espalha a Ave Maria sobre a cidade. Os dedos grossos de Cristóvão juntam-se convexos. Seus lábios rezam pequeno, por entre as falhas dos dentes, amarelados. No bar, poucos sentem a melodia triste enrugando a tarde. Um gole de pinga desce solene, quase sacra, às homenagens a Baco ou a qualquer time de futebol ou à mulher do Dito, que o trai com metade da cidade, escapam fuxicos de línguas roxas. […] Luiz enterra o seu chapéu na testa branca e olha o céu perdendo o sol.”
Um único reparo: obra dessa qualidade merecia um pouco mais de cuidado na revisão. Nada, entretanto, que desmereça o livro.
Enfim, recomendo, na qualidade de leitor. Não sou nenhum crítico literário ou “especialista”, apenas um leitor voraz e apaixonado pelos bons livros.