O que sai na mídia é o que acontece de mais importante ou importante é o que sai na mídia? Este “dilema de Tostines” é de fácil solução. Antes, algumas considerações sobre o papel social do jornalismo.
Muito se discute – e há muitos textos sobre o tema – a respeito da influência do jornalismo na sociedade atual. O fato é que a visão de mundo do cidadão médio é construída preponderantemente pelas informações que lhe chegam pela mídia. Esse é um dos principais fatores de importância do jornalismo. Os meios de comunicação (e, portanto, os jornalistas) são, nesse sentido, verdadeiros educadores.
Há muitos outros fatores. Os meios de comunicação, por exemplo, cumprem hoje, muito mais do que a literatura, o papel de definidores e fixadores da linguagem. O português como é falado no Brasil toma como padrão a linguagem dos meios de comunicação, para o bem e para o mal. Neologismos lançados pela mídia e repetidos incessantemente pelos veículos informativos, por exemplo, são logo incorporados à língua.
Entre muitos outros fatores de importância do jornalismo, entretanto, há um que talvez seja o mais relevante: a realidade socialmente aceita é aquela apresentada pela mídia. Os meios de comunicação de massa criam aquilo que se pode conceituar como “a verdade social” – ou, para expressar melhor, a verdade socialmente aceita. O que é apresentado pela mídia como verdade é verdade socialmente aceita.
Isso significa que a realidade é construída pelos meios de comunicação de massa. Como disse Eliseo Veron, “os acontecimentos sociais não são objetos que se encontram prontos num lugar qualquer na realidade e cujas propriedades a mídia nos faz conhecer depois: eles não existem senão na medida em que a mídia os fabrica”.
Basta pensar na quantidade imensa de fatos que acontecem diariamente e que os jornalistas precisam selecionar para noticiar. O que estará no jornal do dia seguinte seria, teoricamente, o que de mais importante aconteceu na véspera. Na impossibilidade de noticiar tudo, os profissionais da notícia elegem quais são os fatos mais relevantes, que mereçam ser noticiados. Dentre eles, os principais estarão nas capas dos jornais. Ora, essa seleção é feita por alguém, que é responsável por dizer à sociedade (a partir do público do veículo) o que é realmente importante. Portanto, esse mosaico (forçosamente parcial) de notícias forma uma imagem da realidade construída pelo jornalismo.
Pensemos, por exemplo, no Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão, transmitido em rede nacional e que é assistido por milhões de brasileiros – na verdade, a grossa maioria das pessoas que têm televisão e assistem a algum telejornal. A TV continua sendo o principal meio de informação do cidadão médio. O IBGE já constatou que, nas grandes cidades, o número de domicílios com aparelhos de televisão superou os de domicílios com rádio. Uma matéria bombástica que for ao ar no Jornal Nacional será tema obrigatório de conversa no dia seguinte (num efeito de agenda setting). Isso dá uma idéia da importância do editor-chefe do Jornal Nacional. No fundo, é ele quem decide o que é mais importante para o país!
Cientes de que é preciso ser mostrado pela mídia para parecer (e, portanto, ser!) importante, muitos movimentos planejam suas atividades em torno de ações que possam repercutir na mídia. Um bom exemplo aparece hoje no UOL, que publica a foto de uma manifestação em Manila, Filipinas, de uma entidade chamada Peta (aliás, objeto de um dos primeiros posts deste blog), que se dedica à defesa dos animais. A foto da manifestação, cujo crédito é de Dennis M. (Sabangan/EFE), mostra quatro belas moças de biquini. Sim, quatro, apenas quatro. Na própria foto, é possível identificar pelos menos três fotógrafos para cada manifestante.
A foto correu mundo, tanto que chegou até mim, aqui no Brasil. O enquadramento fechado não permite saber se há mais manifestantes, nem procurei pesquisar. A fotografia já é significativa. Quatro pessoas, uma ação inusitada, um bom press release enviado à mída e pronto: está feita uma manifestação de repercussão mundial…