Saí para andar um pouco pela cidade ao final da tarde, como gosto de fazer em dezembro. Agrada-me muito. Ainda é possível deixar-se tomar pelo ar diferente da cidade nessa época pré-natalina. É o tempo em que os comerciantes se lembram de que as luzes têm outas cores além de amarelo e branco. Nos estabelecimentos mais familiares, imagino o próprio dono vasculhando um depósito à busca de uma caixa poeirenta onde, há quase um ano, guardara os enfeites natalinos. Encontra, abre, sorri. Pede ajuda a um office-boy para carregar tudo e vai orientando pessoalmente o que deve ser colocado onde.
Nas grandes empresas impregnadas de burocracia, vejo o chefe do “Depto. de Promoções” (“Depto.”, grafado assim mesmo – é incrível como se insiste em abreviar erradamente a palavra “departamento”) digitando um memorando ao “Sr. X”: “Comunicamos que, em vista das promoções natalinas, Va. Sa. deve providenciar instalação da decoração própria, conforme plano anexo do Depto. de Marketing. Material à disposição no Almoxarifado, Seção XVI, depósito 4, armário No. 9″.
De qualquer modo, o efeito final é sempre agradável às almas abertas à beleza das cores e à atmosfera especial da época.
Andando pelas ruas iluminadas, é preciso cuidado para não trombar com o Papai Noel. Quando criança, disseram-me que existia um Papai Noel. Só um. Mas ele deve andar rapidinho, pois a cada esquina que dobro vejo-o lá. O que devem pensar as crianças? Foi isso que me chamou a atenção nessa noite. Será que elas ainda acreditam nesse Papai Noel comercialmente multiplicado?
Entrei num shopping – lá estava “o bom velhinho”, claro, com a infalível barba branca, acolhendo as crianças. Uma pequena fila aguardava – três ou quatro crianças com seus familiares – enquanto um menino entediado esperava que seus pais, encantados, o fotografassem no colo do “velhinho”. Os outros pais, na fila, olhavam a cena embevecidos – talvez um ou outro lamentasse apenas por não ter tido ideia de levar também uma máquina fotográfica para registrar o encontro com um personagem vindo de tão longe (a Lapônia, vizinha do Pólo Norte).
Observei as outras crianças na fila. Uma, sonolenta, insistia com a mãe para que a pegasse no colo. A mãe não lhe dava atenção – tinha o olhar cravado na cena à sua frente e repetia: “Olha, filha, Papai Noel, olha!” Mais atrás, um menino pedia ao pai um sorvete. Também hipnotizado, ele batia no ombro do filho, sem olhá-lo, respondendo: “Depois, filho, depois do Papai Noel.”
Fiquei ali algum tempo ainda, apreciando o movimento e analisando as pessoas. Saí contente para continuar meu passeio. Sim, ainda há quem acredite na magia de Papai Noel…
[Texto escrito em 1995, como exercício de redação na Faculdade de Jornalismo. Reencontrei-o nesta semana, mexendo em papéis velhos guardados há anos.]
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é, e como você retratou, quem acredita no Papai Noel são as pessoas mais velhas, quando a personagem encantava. Para as crianças de hoje, ele só vai fazer sucesso se vier com um saco de armamentos, em algum videogame em que ele consegue derrotar os inimigos do Natal ou coisa parecida…
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Pois é, são os novos tempos… Mas creio que há e sempre haverá crianças que têm o legítimo encantamento com o Natal.