Homenagem a Renato Bzuneck Jardim

Em 2004, eu era professor de Editoração no curso de Jornalismo da Universidade Positivo quando recebemos o aluno Renato Bzuneck Jardim. Renato era deficiente visual – creio que tinha no máximo 10% da capacidade visual normal. Editoração é uma disciplina eminentemente prática e… visual, cujas aulas são ministradas no laboratório de informática do curso. Os alunos aprendem noções de planejamento gráfico e diagramação de veículos jornalísticos impressos. Nas aulas práticas, aprendem a utilizar programas de editoração eletrônica.

O sistema de avaliação adotado naquele ano contemplava testes teóricos e práticos. No primeiro bimestre, a avaliação era divida em 80% teórica e 20% prática, enquanto nos três outros bimestres a divisão era de 50% para cada tipo de prova. No início das aulas, expliquei ao Renato que ele teria todo apoio, mas nenhum privilégio. Disse-lhe que deveria compensar a impossibilidade de fazer os exercícios práticos com boas notas na parte teórica, explicando-lhe que, se tivesse sucesso, iria para a prova final e poderia ser aprovado mesmo que tivesse nota zero nos exercícios práticos (no exame final, também havia avaliação prática, valendo metade da nota).

O fato é que Renato conseguiu nota suficiente para ir a exame final sem nunca ter feito os exercícios práticos (nos quais recebia sempre nota zero). No exame final, também garantiu aprovação apenas com a parte teórica. Sempre apliquei, obviamente, as mesmas provas da turma, mas em consulta oral: eu lia as perguntas, e ele ditava as respostas.

Em algumas provas das quais constavam perguntas teóricas baseadas em figuras, reproduzi as figuras em tamanho bastante grande (para isso, o próprio Renato carregava sempre um “pincel atômico”), que ele conseguia ver aproximando o papel até quase encostá-lo no olho, num processo muito cansativo, mas a que ele se submetia sempre que necessário.

Renato evoluiu bastante ao longo do curso. Depois do primeiro ano, embora não lhe tenha dado mais aula, percebi que ele tornou-se bem mais “desembaraçado” e ativo. Ele sempre pareceu bastante integrado junto aos colegas. É de se ressaltar que ele jamais usou a deficiência visual como pretexto para pedir qualquer atitude condescendente do professor. Pelo contrário, sempre fez questão de afirmar-se como estudante capaz de fazer o necessário para aprender e ser aprovado, independentemente de sua deficiência, o que me parecia o lado mais admirável de sua atitude diante do mundo. Longe de usar a deficiência como “muleta”, ele superava todas as dificuldades com esforço e dedicação, além de contar com sua boa capacidade intelectual.

Uma das melhores recompensas de ser professor é aprender continuamente, já que temos dezenas de alunos que são também nossos “professores”, sempre com coisas novas para nos ensinar. Para mim, ser professor do Renato acrescentou muito. Foi uma oportunidade de aprender sobre temas como a infinita capacidade humana, o respeito às diferenças, a riqueza do ser humano. Renato deu-me muito mais do que de mim recebeu.

Soube com muita tristeza do falecimento recente do já então colega Renato. Apesar de sua passagem curta entre nós, estou certo de que, se as pessoas têm uma missão a cumprir na Terra (este “vale de lágrimas”, diz a oração católica), Renato deve ter cumprido a sua, e muito bem cumprida.

2 Comentários


  1. E, de nossa parte, obrigado por nos contar tudo isso da vida dele. Comovente, e leva à ascendência espiritual.

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  2. Realmente um grande exemplo!
    Que Deus o abençoe, Renato!
    Noara

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