Lição da rua

Há muitos anos, quando era repórter de um jornal diário, levei um “fora” da namorada. Naturalmente, fiquei arrasado. Confesso que não tanto pelo amor alheio recusado, mas muito mais pelo amor-próprio ferido – afinal, estávamos no começo do relacionamento, naquela fase de esperanças mais que de grandes afetos. De qualquer modo, fiquei mesmo down, como se costuma dizer hoje (em idos tempos, a pessoa “ficava na fossa”).

Fui trabalhar. No jornal, cabia-me uma pauta um tanto pesada: fazer uma matéria na ala de queimados do Hospital Evangélico de Curitiba. Lá fui eu. Saí do hospital completamente diferente. Vi que meu grande “problema” era nada e agradeci a Deus pela minha vida privilegiada.

Nesta semana, veio-me essa antiga lembrança quando recebi outra lição “da rua”. Estava voltando para casa, absorto em pensamentos sobre os muitos “grandes” problemas do dia-a-dia, quando vi, de relance, um homem parado numa esquina. Os poucos segundos durante os quais o olhei foram suficientes para perceber que ele estava muito incomodado. Não tive a reação imediata de parar o carro, mas a visão daquele homem me impressionou tanto que dei a volta na quadra. Parei o carro, desci e fui até ele perguntar se estava precisando de alguma coisa.

Era um homem, de cerca de 35 a 40 anos, pobremente vestido, com dentes carcomidos. E cego, desses que andam com uma bengalinha para desviar dos obstáculos do caminho. Chorando, ele contou que tinha chegado ali caminhando a pé desde um bairro distante porque marcara encontro com um casal que havia prometido ajudá-lo a comprar uma cesta básica e material para fazer as vassouras que vendia nas ruas. Mas o casal não tinha aparecido. Ele então foi à igreja do bairro, onde lhe disseram também não poder ajudá-lo. O homem não conhecia o bairro, não sabia locomover-se direito por ali. Procurei ajudá-lo de modo que ele ficasse satisfeito. Não sei se sua história era verdadeira (acreditei que sim, afinal, ele não tinha me pedido nada, fui eu quem o abordei, e ele parecia sincero), mas, de qualquer modo, recebi dele muito mais do que lhe dei.

Entretanto, ao contrário do dia da reportagem no hospital, embora considerar a situação alheia também tenha me aberto os olhos para pesar melhor minha realidade, fiquei triste: os “queimados” estavam sendo atendidos num bom hospital, com toda a estrutura e assistência necessárias, e eu não poderia fazer nada melhor por eles. Com aquele homem, não: eu poderia ajudá-lo muito mais. Poderia talvez fazer alguma diferença importante na sua vida. Minha ajuda restringiu-se àquela ocasião, mas a vida do homem cego continuaria igual no dia seguinte.
O que fazer? Como (quase) todo mundo, continuar a vida, a luta cotidiana, fingindo que o que vemos ao nosso redor não nos diz respeito? Onde encontrar uma resposta?

3 Comentários


  1. É parece que a vida semore tem algo interessante para nós. Para fazer jornalismo não basta o “pé na lama”, é preciso coração e olhos bem abertos.

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  2. Geralmente temos esta sensação quando vemos os realmente grandes problemas: tendemos a diminuir os nossos que antes achávamos enormes. O problema é manter esta posição. Será que, passado alguns dias, nossos problemas não estarão do mesmo tamanho de antes?
    Noara

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