O país da corrupção

É freqüente aparecerem nos jornais artigos indignados com a corrupção no Brasil. A corrupção está por toda a parte, manifesta-se de alto a baixo da escala social e nos mais variados campos – daí surgirem algumas reações indignadas quando aparecem notícias da corrupção que grassa no país.

A verdade, entretanto, difícil de escamotear, é uma só: somos um país de corruptos. Sim, há honrosas exceções, é claro, que existem para confirmar a regra. Na realidade, desde cedo, já no berço, o brasileiro bebe o leite da corrupção, que corre em suas veias com o sangue. É uma questão de mentalidade, de modo de ser – infelizmente, arraigado neste país.

Seria interessante cada um se perguntar: já cometi algum ato de corrupção, por pequeno que seja? Se as respostas forem sinceras, quem poderá atirar a primeira pedra? Alguns pequenos exemplos: você usa programa de computador pirata? Já comprou um CD pirata? Copiou ou “baixou” algum arquivo de computador indevidamente? Alguma vez tentou pagar propina para alguma “autoridade”, como o guarda de trânsito, por exemplo? Omitiu algum dado na sua declaração do Imposto de Renda? “Colou” em alguma prova?

Alguém poderá alegar que isso não é corrupção. São “pequenas” infrações sem maiores conseqüências. Será? Pequenas doses de veneno são doses de veneno. A corrupção surge da quebra de regras estabelecidas. Quem não vacila ante a possibilidade de ser aprovado no exame do Detran graças ao pagamento “extra” de R$ 50 ao examinador por que vacilaria ante uma oferta de suborno de R$ 50 mil para votar a favor de determinado projeto se fosse deputado federal? Quantos críticos da corrupção seriam incorruptíveis se estivessem na mesma situação dos corruptos que aparecem na mídia?

Não há como negar que muitos, incontáveis brasileiros não tergiversariam nem um pouco ante a possibilidade de levar vantagem ilícita se lhes aparecesse a oportunidade. Quem recusaria a oferta de um emprego “facilitado” num órgão público, com um bom salário, concedido por favor ou amizade?

Sugiro que cada leitor faça um esforço de memória e tente se lembrar de casos que conhece, próximos, de gente que leva vantagem indevidamente. Num exercício rápido, enumero alguns casos sabidos por relatos particulares: 1) um assessor com cargo fantasma num órgão público, salário de R$ 5.000,00; 2) outro assessor de órgão público, também sem qualquer prestação de serviço em contrapartida ao gordo salário (caso que saiu publicado nos jornais uma única vez e nunca mais se falou nisso…); 3) um secretário de obras que construiu uma casa na praia com material de construção desviado de obras públicas; 4) um magistrado que “desaparece” do gabinete e deixa as audiências a cargo do funcionário de um cartório; 5) um fiscal de órgão público que comprou uma cobertura de R$ 1,5 milhão num edifício de luxo, transação incompatível com sua renda; 6) um grupo de policiais federais que rateava pelo menos metade do que apreendia em suas operações (eletrônicos, drogas etc.)… E muitos outros casos, maiores e menores, de que tomamos conhecimento cotidianamente simplesmente por conviver com as pessoas – e não cito aqui casos de que fiquei sabendo pela mídia, embora um ou outro dos que mencionei tenham sido noticiados.

Claro que, felizmente, conheço também histórias opostas, como a de um auditor da Receita recém-empossado que pediu exoneração após receber – e recusar – proposta de suborno de R$ 1 milhão para “aliviar” uma dívida de mais de R$ 10 milhões com o fisco. “Preferi sair logo a ter que ficar lutando cotidianamente com essas tentações, com o risco de sucumbir”, ouvi-o explicar. Mas a pergunta que fica é: quantos agiriam assim?

É certo que o mal de muitos não se torna mal menor. O que se quer indicar aqui é que o combate à corrupção não pode ser baseado tão-somente num ineficaz discurso indignado. A corrupção só pode ser combatida a partir da conduta pessoal de cada um. O Brasil será um país sem corrupção quando cada um dos brasileiros acostumar-se a não levar vantagem ilícita nunca. E a ver com maus olhos os “espertos” que se aproveitam dessas vantagens, em vez de invejá-los. O que faz a diferença é a mentalidade. Só diminuirão os casos de corrupção se for difundida uma mentalidade nova, diferente, que embase um comportamento avesso à corrupção.

Um conhecido contou-me que um colega seu foi fazer estágio numa fábrica de automóveis belga, hospedando-se na casa de um funcionário da indústria. Eles acordavam muito cedo e eram dos primeiros a chegar na fábrica. Para seu espanto, o colega belga estacionava o carro na vaga mais distante da entrada. Depois de alguns dias, ele resolveu perguntar o porquê daquela atitude que os obrigava a caminhar um bom pedaço até a entrada. O belga admirou-se da pergunta, pois achava a resposta óbvia: “Se nós chegamos cedo, temos tempo para ir calmamente até nosso trabalho. Então, precisamos deixar as vagas mais próximas da entrada para aqueles que chegam tarde, com menos tempo.” Para nós, brasileiros, pode parecer espantoso. Para o belga, era óbvio. Como se vê, é uma questão de mentalidade. O belga não queria “levar vantagem”, mas fazer o que era mais adequado para todos. Será que um dia chegaremos lá?

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