Morreu minha Branca-de-Neve…

Todos os dias, eu passava diante daquela casa. Era uma casinha de contos de fadas: parecia ter sido construída para anõezinhos. Não que fosse uma casa pequenina, mas tudo nela era menor do que o normal. Entretanto, não era isso o que mais me chamava a atenção. Ela era toda branca, muito branca – as paredes e os muros do terreno de esquina. Mas talvez a característica mais propensa a excitar uma imaginação infantil era a forma das paredes e dos muros, construídos de modo a imitar pedras arredondadas, pedras tão perfeitamente arredondadas como só se pode encontrar num conto de fadas.

A casinha estava no meu caminho diário de casa ao jornal onde eu trabalhava como repórter, depois editor e editorialista. Naquela esquina, eu diminuía o passo para admirar o que eu chamava de “a casa da Branca-de-Neve”. Vez ou outra, ela estava na varanda – aquela varandinha quadrada em miniatura. Sim, minha Branca-de-Neve estava lá, bem velhinha, sentada numa cadeira de balanço – ao menos, na minha memória sublimada, vejo hoje uma cadeira de balanço. Era daquelas velhinhas de contos de fadas, com muitas rugas não escondidas, afrontando a idolatria contemporânea aos corpos juvenis, apresentadas talvez como troféus de anos bem vividos.

Nunca falei com ela, embora não me faltasse vontade, mas sobrava timidez. Aliás, quase nunca: uma única vez, dirigi-lhe a palavra, passando em frente em passo lento: “Muito bonita sua casa”. Ela respondeu com um sorriso simpático e um “Obrigada!” Jamais vi qualquer outra pessoa naquela casinha de sonhos infantis.

Ontem, o sonho ruiu. Havia tempo que eu não passava naquela esquina das Mercês . A casa não existe mais. Foi demolida, o terreno aplainado, provavelmente para a construção de um edifício e o sepultamente de coisas que cada vez mais perdem lugar numa grande cidade contemporânea como Curitiba: uma casinha de contos de fadas.

Por enquanto, o muro ainda está de pé. O que terá acontecido com minha Branca-de-Neve? Terá morrido como os sonhos infantis sufocados pela metrópole?

3 Comentários


  1. Parece que achamos que tudo tem que progredir e que o progresso implica tecnologia e procedimentos e obras sempre mais complexas e gigantescas.
    Nascemos no sítio, mudamos para a cidade, arrumamos um pequeno emprego e batalhamos em estudos e tentativas de promoções, correrias, trânsito, estresse, problemas de saúde somatizados por tudo isso para, quando enfim chegar a sonhada aposentadoria, podermos… comprar um sítio e criar galinhas!
    O simples ainda me parece o melhor.
    Um bom sonho vale mais que mil realidades frustrantes!
    Quem sabe aparece um príncipe ressuscitador para a casa e a dona dela…

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  2. Talvez a branca-de-neve tenha só ido passear no bosque e já vem.
    Quem sabe com este pensamento dê para continuar o sonho do conto de fadas.
    Noara

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  3. Obrigado pelos comentários consoladores. Pena que não há mais nada a fazer no mundo que não é de faz-de-conta. Hoje me arrependo de nunca ter conversado com ela…

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