Anatomia do Fundamentalismo – II

Coluna Interregno (02/12/2003)

Jamil Salloum Jr.

No artigo passado conhecemos a passagem que o jornalista curitibano Tomás Eon Barreiros fez por uma ideologia fundamentalista; no caso, a que é propagada pela TFP –“Tradição, Família e Propriedade”, movimento católico de ultra-direita.  Na ocasião, dissemos que hoje consagraríamos nosso texto para as reflexões que Tomás retirou dessa experiência. Vejamos o que ele tem a nos dizer sobre isso.

De acordo com o jornalista, fundamentalismo é o que separa, cinde, tudo em duas partes. É “essa mentalidade que divide o mundo em dois (nós x eles) com base em uma doutrina, em uma ideologia à qual a pessoa adere como sendo a melhor, a única verdadeira, a salvação”, afirma.  Tomás é de opinião que a postura fundamentalista pode se inserir facilmente na mente ocidental, em qualquer credo, filosofia ou linha de pensamento, em função da influência que o pensamento dualista de Aristóteles exerceu sobre nós. “Na verdade, o fundamento aristotélico do pensamento ocidental é baseado na divisão ser – não ser, bem-mal, beleza-feiúra, verdadeiro-falso… Nós vivemos de dividir. E em todos os campos. O ‘meu’ time é melhor que o ‘seu’; ‘minha’ religião é a verdadeira, e não a ‘sua’; ‘eu’ sou rico, ‘você’ é pobre…”, completa. Daí depreende-se, segundo ele, uma valoração. Vejamos o que vem a ser essa valoração e você, amigo leitor, preste atenção, pois aqui pode estar o cerne do problema.

Por meio de uma mentalidade dualista, que pode ser resumida na oposição de “certo” x “errado” e  “eu x ele”, pode surgir o comportamento fundamentalista. Tomás diz que “essa mentalidade valorativa cria comportamentos de fundo beligerante. No caso das correntes religiosas fundamentalistas, isto dá origem ao desejo, em relação ao outro, de conversão ou aniquilamento. Essa mentalidade está difusa na sociedade, em grau maior ou menor de pessoa a pessoa e de campo a campo”. Por isso as pessoas, segundo sua visão, são presas tão fáceis de seitas fundamentalistas, uma vez que já são acostumadas a essa mentalidade (separatista) desde o nascimento.

O jornalista alerta ainda para um aspecto importante: segundo ele não há uma idade mais propícia para uma pessoa ser atingida pelo fundamentalismo. “Tenho visto tanto adolescentes quanto pessoas maduras se engajando em movimentos fundamentalistas”, afirma.

Assim, não são só algumas seitas islâmicas e suas “jihads”, com “guerras santas”, que são fundamentalistas. Todos podemos sê-lo, em qualquer assunto. Mas como podemos nos defender dessa postura? “Para mudar o comportamento, é preciso mudar a mentalidade, e isso só é possível numa perspectiva de desconstrução. A melhor defesa contra essas posturas, ideologias e comportamentos é, antes, identificar o problema. Então tudo fica mais fácil. Aí é possível tentar a mudança de comportamento”, conclui Tomás.

Enfim, o depoimento de Tomás Barreiros, compartilhado corajosamente com a nossa coluna, e por extensão com todos vocês, amigos leitores, serve de salutar alerta para o perigo de se abraçar precipitadamente qualquer ideologia, deixando-se seduzir, num processo que algumas vezes pode, talvez, não ter mais volta. Portanto, nunca é demais lembrar um discurso bastante conhecido do Buddha, constante no “Prajnaparamita-Sutra”, quando ele pede para que nada seja aceito, nem mesmo as palavras dele, sem verificação prévia e cuidadosa. Testar, questionar antes, para depois acatar. “Sejam lâmpadas para vocês mesmos”, dizia Siddharta. Tudo que cria dependência torna-se clorofôrmio mental. Anestesia a razão, exacerba a emoção e inculca as piores deturpações.

O caminho do meio continua sendo o melhor caminho…

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