Qualidade Total através do teatro

Palestras sobre segurança, prevenção de acidentes, alcoolismo, drogas, são freqüentes nas grandes empresas. Mas nem sempre os funcionários estão com o melhor dos ânimos para ouvir longas exposições. A implantação de um “programa de qualidade total” também enfrenta dificuldades. São necessárias muitas reuniões de treinamento, que se repetem periodicamente. Manter a disposição dos funcionários depois de horas de palestras e exposições não é coisa fácil. Pensando nisso, alguns empregados de grandes empresas que trabalham com teatro decidiram inovar. Dispostos a provar que o teatro pode transmitir qualquer mensagem, criaram peças para representação nas empresas. As primeiras experiências tiveram resultados bastante animadores.


João Batista Prado trabalha na Kvaerner. Aparecido Massi é funcionário da Copel. Mas ambos têm algo em comum: a participação no Lanteri, grupo teatral já famoso por suas apresentações na Pedreira Paulo Leminski. Submetidos, como qualquer funcionário das empresas onde trabalham, às constantes palestras sobre temas como segurança no trabalho, acharam que algo poderia ser mudado para que as mensagens transmitidas nessas exposições fossem melhor assimiladas pelos funcion rios. Daí idealizaram o teatro nas empresas, como forma de treinamento.

A história tem sua pré-história. Massi foi seminarista por nove anos. ɐ formado em filosofia, economia e artes cênicas. Atuando em grupos religiosos católicos que promovem encontros de casais ou de jovens, faz palestras em retiros e reuniões desses grupos. Como ator, dramatiza suas exposições, interpretando os personagens de quem fala. A assimilação, afirma ele, é muito maior do que em palestras comuns.

FUNDAÇÃO

O Grupo Lanteri começou em 1978, em Curitiba, na Vila São Paulo. Massi resolveu reunir um grupo de pessoas para interpretar a Paixão de Cristo na Semana Santa. Os recursos para a montagem da peça, inicialmente, saíram do próprio bolso de Massi. A primeira apresentação foi um sucesso. A partir daí, muitas pessoas se ofereceram para participar do grupo. Algumas senhoras do bairro uniram-se e fizeram uma doação para melhorar o figurino. Ao longo do ano, o grupo passou a apresentar peças variadas, como “O Auto da Virtude e da Esperança”, de Ariano Suassuna, e outras, compostas por Massi.

Em 1979, depois de haverem encenado a Paixão pela segunda vez, o então prefeito Jaime Lerner, tomando conhecimento da existência do grupo e do sucesso que fazia na Vila São Paulo e bairros vizinhos, pediu a representantes do Lanteri que falassem com Rafael Greca, na época diretor da Fundação Cultural de Curitiba. Logo se realizaria a inauguração dos lampiões do centro histórico da cidade. Greca convidou o grupo teatral para que encenasse a Paixão de Cristo na festa de inauguração. Entretanto, como nunca tinha visto uma apresentação do Lanteri, temendo pela qualidade do espetáculo, levou para a festa outras atrações: a soprano Fátima Alegria, do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, e a Camerata Antiqua, regida por Roberto de Regina. Conta Massi que o público foi muito numeroso, e que a principal atração foi mesmo a encenação teatral. Depois disso, o Lanteri passou a apresentar anualmente a Paixão de Cristo.

CRESCIMENTO

O grupo cresceu bastante: em 1980 tinha 150 pessoas, hoje conta com 700 participantes que podem entrar em cena e mais 80 no trabalho de produção. Mais de 50 elementos do Lanteri têm menos de dez anos de idade, e cerca de 30 já passaram dos 60 anos. Alguns já participam há bastante tempo, como Aclélio Camargo Jr., responsável pelo figurino do Lanteri, cuja mãe, Celestina Camargo, foi a primeira a ter a função hoje ocupada por seu filho, que na época de fundação do grupo tinha cinco anos de idade. Hoje ele é engenheiro e mestrando na Universidade Federal do Paraná.

Aliás, o grupo congrega pessoas das mais diversas situações. Além de outros dois mestrandos da UFPR, o grupo conta com um PhD. Um juiz de Direito de Ponta Grossa participa, todos os anos, das encenações da Paixão, como figurante ou como soldado romano. Entre os carrascos da Paixão, um é economista e outro, motorista de ônibus. D. Pedro I, no espetáculo “Cenas da Pátria”, é representado por um mecânico e motorista. “Se fôssemos uma cidade pequena – diz Massi –, a cidade pararia para que todos participassem.”

MUTIRÃO

As peças de vestuário usadas nas encenações são feitas em mutirão. Todos se reúnem na sede da Associação Cultural Lanteri, criada por Massi na Vila São Paulo, para fabricar capacetes, lanças e muitas outras coisas usadas nas encenações. A propósito, Massi explica a origem do nome: Lanteri foi um religioso contemporâneo de Dom Bosco, fundador da Congregação dos Oblatos de Maria Virgem, da qual o diretor do grupo fez parte como seminarista.

Há um ano e meio, Massi presta serviços à Fundação Cultural de Curitiba, na área de cultura popular. Trabalho que veio ao encontro do objetivo maior do Lanteri, que é, de acordo com seu diretor, promover o teatro popular. O cerne do grupo é formado por profissionais, em torno dos quais se agrupam os amadores. Além da Paixão, o grupo apresenta o espetáculo “Cenas da Pátria”, na Semana da Pátria, e autos de Natal, patrocinados pela Prefeitura. No mês de dezembro, um auto de Natal é encenado nos terminais de ônibus. A partir da experiência nos terminais, surgiu o programa “Cultura Expressa”, da Fundação Cultural de Curitiba, que leva aos principais terminais da cidade peças de teatro e shows musicais, de quarta a sexta-feira, às 18h30.

SUCESSO NAS EMPRESAS

A adaptação do teatro para as empresas começou na Kvaerner, onde trabalha Prado, um dos integrantes do grupo. Após contato com um diretor da indústria, o grupo produziu uma peça sobre segurança no trabalho, inteiramente voltada às necessidades da Kvaerner. A peça foi encenada numa semana de prevenção de acidentes, no ano passado. Ana Célia Dronzek, assistente social da Kvaerner, diz que os resultados foram excelentes: “Os funcionários gostaram muito, tivemos uma participação maciça na empresa, tanto que estamos repetindo este ano, agora com duas peças, uma voltada para a prevenção do alcoolismo e do consumo de drogas e outra sobre o perigo dos acidentes domésticos”. As peças serão apresentadas entre 19 e 23 de setembro, numa semana de atividades culturais com a participação de funcionários e familiares. “Essas apresentações – conta Ana Célia – serão feitas num circo, montado no centro da empresa, para fugir do formal e transmitir as informações de um modo mais atrativo e de forma acessível a todos”.

Na Inepar Holding, o Lanteri apresentou a peça “Uma família quase perfeita”, também criada de acordo com as necessidades específicas da empresa. Mário Pudelco, chefe de segurança da Inepar, avalia: “O resultado foi positivo. O pessoal realmente se entusiasma com o teatro; a assimilação foi excelente”. E garante: “Nós já tivemos reflexo na diminuição dos acidentes de trabalho. Hoje trabalhamos com um índice de acidentes bem reduzido”. Diante do sucesso, a dose vai ser repetida este ano, com uma peça sobre o alcoolismo. E já está sendo montado um grupo de teatro com funcionários da própria Inepar.

QUALIDADE TOTAL

O maior trabalho, entretanto, foi preparado para os temas ligados à implantação de um “Programa de Qualidade Total”. Nas empresas onde trabalham, Massi e Prado sentiram os obstáculos para a adoção desse tipo de programa. “A dificuldade está em reunir os empregados para promover seminários maçantes e longos sobre o tema”, declara Massi. Baseando-se na obra “Controle da Qualidade Total”, de Vicente Falconi Campos, Massi, Prado e mais dois integrantes do Lanteri (Edson Martins e Martinho Fuck) tomaram os temas do livro, esquematizando os conceitos que deveriam ser transmitidos aos funcionários, montando assim um roteiro técnico para a peça. Esse roteiro foi submetido ao comitê de qualidade da Kvaerner e aprimorado segundo suas orientações técnicas. Com base nesse roteiro técnico, Massi criou o roteiro artístico. Tudo isso exigiu dois anos de estudo e preparação.

Massi conta como se desenvolve a peça: “Foi usado o exemplo de uma fábrica de xarope. No começo, tudo era feito errado. A firma vai à falência. Até chegar um personagem que começa a introduzir os conceitos de qualidade total, aplicando cada um deles. A fábrica então sai da falência. Toda a peça é muito engraçada, os conceitos são passados brincando”.

O diretor do Lanteri garante: “Com o teatro, o índice de assimilação chega a 75%”, ao contr ário dos métodos convencionais, com os quais a assimilação chega, segundo ele, a 45%, no máximo. Participam da peça dez atores, todos profissionais. Massi aponta outras vantagens do teatro na empresa: “O custo sai menor do que contratar um palestrante, pagando-se dez profissionais e atingindo a empresa toda ao mesmo tempo, com um atrativo muito maior”.

No próximo dia 27, o Lanteri promoverá uma apresentação-piloto da peça, no Aeroanta, `ss 18h30. Informações podem ser obtidas pelo telefone (041) 278-9658

 

(olho1) O Grupo Lanteri surgiu em 1978, na Vila São Paulo, quando Aparecido Massi resolveu reunir algumas pessoas para encenar a Paixão de Cristo

(olho2) O Lanteri conta hoje com 700 participantes que podem entrar em cena e mais 80 no trabalho de produção

(olho3) Entre os carrascos da Paixão, um é economista e outro, motorista de ônibus. D. Pedro I, nas “Cenas da Pátria”, é representado por um mecânico

(olho4) A idéia da peça sobre Qualidade Total surgiu diante das dificuldades para a implantação de programas de qualidade pelos métodos convencionais

 

(crédito1) Divulgação

(legenda1) Aparecido Massi

(crédito2) Divulgação

(legenda2) Cena da peça “Júlio César”, apresentada na Pedreira Paulo Leminski

(crédito3) Divulgação

(legenda3) Cena da Paixão de Cristo

(crédito4) Divulgação

(legenda4) Soldados romanos em “Júlio César”

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(legenda5) Cristo sendo julgado, em cena da Paixão

 

[Jornal Indústria & Comércio, 9 set. 1994]

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