Em exposição, as mil faces da Virgem

Nossa Senhora das Vitórias, das Graças, da Paz. Nossa Senhora de Guadalupe, do Rocio, do Rosário. Nossa Senhora Menina, Nossa Senhora do Lírio, Nossa Senhora Rainha, Nossa Senhora da Luz… Os títulos dados a Maria são, provavelmente, perto de dois mil em todo o mundo. E passam de 150 no Brasil. Cada título tem sua história: instituído pela Igreja, relacionado a alguma aparição da Virgem ou fruto da devoção popular.

Nenhuma santa é tão venerada entre os católicos quanto aquela à qual se atribui a maternidade divina. Só em Curitiba, são cerca de 25 as paróquias dedicadas a Nossa Senhora, sob várias invocações. Daí a enorme quantidade de material iconográfico a respeito de Maria. A arte sacra sempre foi um instrumento usado na evangelização. E a mãe de Jesus foi inspiração para inúmeros artistas, alguns deles célebres justamente por suas obras retratando a Virgem, como o pintor italiano Rafael Sanzio.

Inúmeras representações, as mais variadas, desde Nossa Senhora do Japão, de olhos orientais, até Nossa Senhora da África, de pele negra, constam do acervo da família Wendler, que começou a ser exposto este ano.


 

Lourival Wendler, descendente de alemães, era luterano. Comerciante, foi proprietário da tradicional Casa Crystal, fundada em 1907, loja de ferragens que existiu até 1975 na rua XV de Novembro, 444. Homem muito ativo, foi fundador e diretor da Federação do Comércio Varejista do Estado do Paraná, além de ter participado de muitas outras entidades.

A esposa de Lourival, Carmen Schmitz Wendler, era católica, e por sua influência os três filhos do casal foram matriculados em colégios católicos. Isso possibilitou o convívio de Lourival com inúmeros religiosos, o que despertou seu interesse em relação ao catolicismo. Como autodidata que era, ele passou a estudar assuntos ligados à religião, acabando por se converter ao catolicismo. Essa, segundo seu filho, é a provável história de sua conversão. Lourival ingressou na Ordem Terceira de São Francisco, tornando-se um franciscano apaixonado. Fundou depois o Lar São Francisco e o Pequeno Cotolengo.

ESTUDOS

Depois de convertido, aprofundando-se nos estudos da doutrina católica, tornou-se grande devoto da Virgem Maria. Criou então, a 31 de maio de 1961, junto com Ely de Azambuja Germano, o Centro Maria Medianeira, cujo objetivo era, segundo seus estatutos, “louvar a Santíssima Virgem, pesquisando, estudando e propagando os seus gloriosos títulos”.

Organizando um Museu Marial, Wendler começou a colecionar tudo que dizia respeito a Maria: imagens, estampas, medalhas, livros, músicas, discos, selos, slides, poesias, livros. Correspondendo-se com centros marianos e igrejas do mundo todo, dos quais recebia material, Lourival juntou, ao longo de quinze anos, um acervo considerável.

HERANÇA

Com o falecimento de Lourival Wendler e Ely Germano, o Centro Maria Medianeira deixou de existir. O precioso acervo de Lourival passou para seu filho Carlos Eduardo, que o manteve guardado em sua casa até há pouco. Com o auxílio de sua mulher, Sueli Terezinha Neves Wendler, Carlos começou a catalogar os numerosos objetos da coleção paterna. E encontrou documentos raros e de muito valor. O principal deles, um manuscrito da “Irmandade de Nossa Senhora da Luz da Matriz da Vila de Curitiba”, datado de 1741, onde consta a instituição do dia oito de outubro como dia da padroeira de Curitiba, Nossa Senhora da Luz.

EXPOSIÇÕES

O coordenador do Museu de Arte Sacra, Roberson Maurício Caldeira Nunes, colaborou na organização do acervo de Lourival Wendler. Tantas eram as estampas de Nossa Senhora que resolveram promover exposições com o material. A primeira delas ocorreu no próprio Museu de Arte Sacra, em maio último, sob o título “Nossa Senhora no Japão e na China”.

Com os objetos divididos por países, foram posteriormente organizadas outras exposições (algumas contando também com objetos de outros acervos), como a intitulada “Maria na Polônia”, realizada em junho no Memorial da Imigração Polonesa, no Bosque João Paulo II, e a exposição “Maria na Itália”, acontecida no Memorial da Imigração Italiana (Casa Culpi). Recentemente, até dia 30 último, muitas das melhores peças estiveram expostas no Museu Tingüi-Cuera, em Araucária.

Roberson Nunes considera o acervo “bastante significativo”, por ser, possivelmente, a única coleção do gênero no mundo. O documento do século XVIII, diz, sendo “único e original, por si só já tem valor; e como é referente a Nossa Senhora da Luz, padroeira de Curitiba, tem um grande valor para o município”.

ESTAMPAS

O acervo hoje sob os cuidados de Carlos Eduardo Wendler e sua esposa possui mais de 10.000 estampas da Virgem. A biblioteca organizada por Lourival também conta com 252 livros sobre Maria, em diferentes línguas, além de aproximadamente 80 obras sobre São Francisco de Assis.

Lourival Wendler dedicava boa parte de seu tempo à divulgação da fé católica e da devoção marial. Seu filho Carlos Eduardo, por seu lado, diz não ser tão devoto quanto o pai, embora seja católico. Ele é engenheiro químico, proprietário da Cristal Química, empresa que está desenvolvendo pesquisas para fabricação, no Brasil, de produtos químicos hoje só encontrados no Exterior. Para isso, a empresa conta com um pesquisador, PhD em química, bolsista do Conselho Nacional de Pesquisa – CNPq. Carlos Eduardo é também inventor do “Ouromil”, aparelho usado em garimpos de ouro para a destilação de mercúrio.

CENTRO DE ESTUDOS

Química à parte, em relação à preciosa herança que recebeu do pai, seu objetivo agora não é aumentar o acervo, já numeroso, mas colocar à disposição do público o material existente, organizando o maior número possível de exposições. Além disso, pretende terminar a organização do acervo, para futuramente criar um centro de estudos que coloque ao alcance de todos os interessados material tão abundante e precioso. A partir do dia seis próximo, o Museu de Arte Sacra promover  uma exposição sobre a padroeira de Curitiba, Nossa Senhora da Luz. Fará parte da exposição o documento de 1741, que a Prefeitura Municipal está adquirindo da família Wendler.

IGREJA

Ely Germano e Lourival Wendler, em oito de setembro de 1962, fizeram alguns acréscimos nos estatutos do Centro Maria Medianeira. Um dos itens acrescentados, bastante curioso, colocava entre os objetivos do Centro “a ereção, em Curitiba, com a participação de todas as nações, de uma igreja monumental, que ter  a forma de uma imagem de Nossa Senhora, em cuja base achar-se-á a igreja propriamente dita, contendo cerca de oitenta nichos, nos quais serão colocadas imagens de Nossa Senhora, padroeira ou a mais venerada em cada nação da Terra, pendendo do mesmo uma pequena bandeira do país de onde é oriunda”. O audacioso projeto não foi realizado, mas mostra bem até onde iam os planos de Lourival e Ely, “fiéis escravos dessa Soberana Senhora”, como se autodenominam nos estatutos do Centro.

 

(gravura1: sem legenda e sem crédito)

(crédito2) Aniele Nascimento

(legenda2) Imagens japonesas em estilo kokeshi

(crédito3) Aniele Nascimento

(legenda3) Livros japoneses sobre Nossa Senhora

(crédito4) Aniele Nascimento

(legenda4) Aquarela japonesa em seda

(legenda5) Primeira página do manuscrito de 1741

(olho1) Lourival Wendler tornou-se grande devoto da Virgem Maria e fundou, com Ely Germano, o Centro Maria Medianeira

(olho2) No acervo da família Wendler encontra-se um manuscrito de 1741 que estabelece o dia da padroeira de Curitiba

(olho3) O acervo possui mais de dez mil estampas de Nossa Senhora, além de 252 livros sobre Maria, em vários idiomas

(olho4) Carlos Eduardo Wendler pretende criar um centro de estudos que coloque ao alcance do público seu numeroso acervo

 

[Jornal Indústria & Comércio, 2 set. 1994]

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