Certezas e controvérsias em torno das EQMs

É fato incontestável: a pessoa que escreveu este texto vai morrer. A pessoa que está lendo este texto também vai morrer. Ante esta verdade inescapável, o homem busca entender o que pode haver para além da morte do corpo físico. Ciência e religião, cada qual em seu campo específico, por seus métodos e caminhos próprios, procuram respostas.

Cada religião tem seus ensinamentos a respeito da vida após a morte física. Embora as doutrinas religiosas variem muito, quase todas podem ser resumidas em dois grandes grupos. Um defende que, após a morte corporal, a alma, que sobrevive, passa por algum tipo de julgamento que determinará um futuro eterno de acordo com a qualidade moral de sua vida terrena. Outro prega o ciclo das reencarnações: a alma voltaria a nascer em outro corpo. Acreditar no que define cada credo religioso é decisão íntima de cada um e envolve a adesão da fé.

A ciência, por sua vez, trabalha com dados empíricos, fatos comprovados a partir da experiência e da observação. Como então encontrar evidências de um fato que não pode ser “testado”? Assim como o peixe só vive dentro da água e não pode conhecer o que está fora dela, porque morre ao sair do seu meio, assim também os cientistas e pesquisadores não podem “experimentar”, vivos, o mundo da morte. No entanto, a realidade coloca ao alcance dos estudiosos algumas experiências que possibilitam uma análise científica do tema. São incontáveis os casos de pessoas que estiveram numa situação que poderia ser chamada de morte. Pessoas que perderam os sinais vitais, cujo cérebro poderia ser considerado “morto”, mas que “voltaram à vida” – como um peixe que, passando algum tempo fora d’água, voltasse ao meio líquido e continuasse sua vida, mas tendo experimentado o mundo exterior.

CIÊNCIA E EQM

Pesquisadores de diversos países têm se dedicado ao estudo dessas experiências, que ganharam o nome de “Experiências de Quase Morte”, ou EQM, na sigla popularizada. Os relatos de EQMs são muitos, múltiplos, com grande variação no tempo e no espaço. Gente de épocas diferentes, culturas diversas, níveis sociais, econômicos e educacionais variados. A ponto de esses relatos constituírem um rico material para a análise dos estudiosos. A ciência não poderia ficar indiferente a essa realidade concreta, como se ela não existisse.

Aqui entra o lado intrigante da questão: os relatos das pessoas que passaram por uma EQM têm muitos pontos em comum, mesmo saindo os testemunhos dos mais variados lugares, épocas e culturas. Como explicar?

O ponto pacífico entre os cientistas, atualmente, é que as EQMs são um fenômeno que merece estudo. Não há, ainda, nenhuma conclusão definitiva, aceita consensualmente ou ao menos pela maioria dos estudiosos. Muitos pesquisadores têm afirmado que o estudo dos inúmeros relatos de EQM apontam indícios de que a consciência sobrevive à morte do corpo físico. Mas há fortes correntes de cientistas que procuram mostrar as EQM como fenômenos produzidos pelo próprio cérebro. Ao mesmo passo que alguns estudiosos buscam a comprovação da permanência da consciência após a morte cerebral, outros direcionam suas pesquisas para tentar comprovar que as EQM são fenômenos puramente naturais.

PESQUISAS CIENTÍFICAS

O médico Laércio Furlan, com experiência de 35 anos de trabalho em Unidades de Terapia Intensiva, presenciou casos de EQM em muitos pacientes – mais frequentemente, naqueles que tiveram infarto agudo do miocárdio. Ele explica que, poucos segundos após o infarto, o paciente tem morte encefálica – exames mostram que não há atividade elétrica no cérebro nesse período. Entretanto, os médicos podem reanimar o paciente num prazo de aproximadamente cinco minutos. Segundo Furlan, 18% dos pacientes reanimados relatam haver passado por EQM. “Muitos dizem que saem do corpo e penetram num túnel no final do qual há uma luminosidade muito grande. Encontram parentes falecidos, dialogam com eles e depois retornam à vida. Alguns veem o que consideram anjos.” O médico conta que, em todos os casos, os pacientes dizem ter tido uma sensação de paz, sem qualquer dor ou sofrimento. Furlan ressalta que, se o cérebro está sem atividade, mas o paciente permanece consciente, isso pode indicar que a consciência não está presa ao cérebro.

Um estudo liderado pela Dra. Justine Owens, da Universidade de Virgínia, publicado em 1990, relata pesquisa com 58 pacientes que alegaram haver passado por EQMs. O estudo constatou que apenas 38 deles realmente estiveram em risco de morte. Os outros 30 pensavam estar sob risco, mas de fato não estavam. Entretanto, entre os que corriam risco, os relatos são mais contundentes. Estudos como esse têm estimulado a pesquisa das EQMs como resultados de fenômenos cerebrais.

EXPERIÊNCIAS MÉDICAS

O psicólogo britânico Karl Jansen, por exemplo, relata que cerca de 30% dos pacientes que utilizam o anestésico ketamina contam haver passado por EQMs. Ele afirma que presenciou diversos casos de EQMs quando administrou ketamina em pacientes e diz que suas descrições são muito parecidas: a viagem através de um túnel, a imersão num ambiente luminoso, a troca “telepática” com uma entidade que pode ser considerada Deus. Ele próprio diz haver utilizado o anestésico como experimento científico, passando pelas mesmas sensações, mesmo não tendo qualquer crença religiosa.

Nos anos oitenta, tornou-se célebre a pesquisa do neurologista estadunidense Michael Persinger, criador de um aparelho que ficou conhecido como “capacete de Deus”. O aparelho, por meio de estimulações cerebrais, atingiria determinada região cerebral, no lobo temporal, responsável pelas ideias místicas, fazendo com que o usuário experimentasse uma sensação de presença de Deus. Suas experiências alcançaram a mídia e foram objeto de muito debate, com publicação de artigos contestando e defendendo o experimento. Algumas personalidades conhecidas, como o escritor ateu Richard Dawkins, utilizaram o aparelho e fizeram relatos contraditórios sobre os resultados da experiência.

“UMA PROVA DO CÉU”

Muitas obras têm sido publicadas sobre as EQM. Em 2012, a editora Sextante lançou no Brasil o livro “Uma prova do céu – A jornada de um neurocirurgião à vida após a morte”, do médico norte-americano Eben Alexander III, do Brigham & Women Hospital e da Harvard Medical School, em Boston, nos Estados Unidos. Vítima de uma doença que o deixou em coma por sete dias, ele relatou ter vivido uma extensa EQM. Sua obra, como era de se esperar, causou polêmica.

Antes cético quanto aos inúmeros relatos de EQM que ouvira de seus pacientes, mudou radicalmente de atitude após a sua própria experiência. Eben garante que, durante o período em que permaneceu em coma, esteve num mundo espiritual, no qual conheceu seres superiores e entendeu melhor o sentido da vida e o amor divino.

Ele escreve: “Minha experiência mostrou que a morte não é o fim da consciência e que a existência humana continua no além-túmulo. E, mais importante ainda, ela se perpetua sob o olhar de um Deus que nos ama e que se importa com cada um de nós. Agora que tive o privilégio de entender que a vida não termina com a morte do corpo ou do cérebro, encaro como meu chamado contar às pessoas o que vi além do corpo e além desta terra.”

A obra recebeu muitas críticas de colegas céticos, especialmente por seu teor considerado excessivamente religioso, como o próprio título da obra indica.

Um filme que entrou em cartaz em julho no circuito de exibição brasileiro, “O céu é de verdade”, conta a história de uma criança dos Estados Unidos, Colton Burpo, hoje adolescente, filho de um pastor evangélico, Todd Burpo, que teria passado por uma EQM. A história é baseada no livro escrito em 2010 pelo pastor, “Heaven is for real”, que se tornou um best-seller nos EUA. Colton, quanto tinha pouco menos de quatro anos de idade, passou por uma cirurgia devido a uma apendicite supurada e esteve à beira da morte. Recuperado, contou que teria ido ao Céu e conhecido Jesus. Embora o filme, como obra cinematográfica, seja ruim, seu lançamento é um sintoma do permanente interesse em torno do tema.

DEBATE

As Experiências de Quase Morte serão objeto de debate, em agosto, em Curitiba. O evento reunirá estudiosos do assunto, três deles médicos (Carlos Harmath, Dagoberto Requião e Laércio Furlan) e um padre (Ricardo Hoepers), mediados pelo também médico Cícero Urban, vice-presidente do Instituto Ciência e Fé, promotor do encontro. Trata-se de uma ótima oportunidade para os interessados se colocarem a par das mais recentes discussões sobre o assunto.

SERVIÇO

Evento: Debate sobre Experiência de Quase Morte

Debatedores: Dr. Cícero Urban (mediador), Dr. Dagoberto Requião, Dr. Laércio Furlan, Dr. Carlos Harmath, Pe. Ricardo Hoepers

Data: Dia 16 de agosto de 2014 às 10 horas

Local: Auditório da Escola de Enfermagem Catarina Labouré, Rua Jacarezinho, 1.000, Mercês (Curitiba-PR)

Evento aberto com entrada franca

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