Experiências de Quase Morte indicam a existência da consciência para além do corpo físico

Evento reuniu palestrantes que apresentaram muitas informações sobre os estudos recentes do tema e mostraram dados intrigantes, como a existência de relatos de bilocação, que a ciência clássica não explica

O evento sobre as chamadas Experiências de Quase Morte (EQMs) promovido no dia 16 de agosto pelo Instituto Ciência e Fé atraiu um numeroso público que tomou quase por completo o auditório da Escola de Enfermagem Catarina Labouré, em Curitiba. Mediados pelo vice-presidente do Instituto, o médico Cícero Urban, quatro expositores – três médicos e um sacerdote – discorrem sobre diferentes aspectos relacionados ao fenômeno, estudado há algumas décadas no mundo todo.

Enriqueceu o debate a multiplicidade de visões levadas à consideração dos presentes. O padre Ricardo Hoeppers apresentou considerações teológicas sobre a EQM, o cardiologista Laércio Furlan buscou explicações nas doutrinas espiritualistas, o psiquiatra Dagoberto Requião falou a partir da sua própria experiência, não como médico, mas como paciente católico praticante que viveu um episódio de EQM. O também psiquiatra Carlos Harmath discorreu sobre o tema a partir de duas perspectivas da ciência: a clássica e a mais atual, influenciada pela física quântica.

BILOCAÇÃO

Harmath afirmou que as descrições de pessoas que passaram por uma EQM indicam que o fenômeno é muito similar a uma experiência mística, no sentido de abrir a percepção a uma dimensão transcendental. “Pessoas que têm acesso aos mais altos níveis de meditação sofrem transformação na sua percepção de mundo. É uma experiência transformadora”, defendeu.

Segundo Harmath, para a ciência clássica, as EQMs, assim como as experiências místicas, são explicadas pelo funcionamento do cérebro. Justificam-se pelos fenômenos físicos e químicos que ocorrem nas redes neurais, que se reestruturam a cada momento, graças à plasticidade do cérebro, em constante modificação. A percepção cerebral pode ser ampliada a partir de alguns exercícios, como a meditação. Entretanto, embora as explicações da ciência clássica possibilitem a compreensão de muitos aspectos das EQMs, há outros que ela não consegue explicar. Ele citou especialmente a experiência fora do corpo, a chamada bilocação, presente em muitos relatos de EQMs, quando o paciente descreve situações acontecidas fora do local onde seu corpo permaneceu. Na perspectiva da ciência moderna, que leva em conta as descobertas da física quântica, é possível falar hoje em uma consciência que sobrevive à morte do corpo. “Ao morrer, a psique assume o eterno estado ondulatório, isto é, vibracional”, afirmou.

RELATO DE EQM

O professor de Psiquiatria da PUCPR Dagoberto Requião contou a Experiência de Quase Morte que teve quando sofreu um infarto. Embora tenha se recuperado, num primeiro momento, havia a necessidade de uma intervenção cirúrgica. Após a cirurgia, acabou entrando em coma, que durou cinco dias, e ficou 25 dias hospitalizado. Depois de recuperado, contou à família uma cena que havia visto, para espanto da esposa e da filha, já que o fato ocorrido havia acontecido durante o coma e fora do alcance possível para sua visão. Ele então se lembrou de ter visto a cena a partir do alto.

Requião declarou que gostaria de ter tido essa experiência antes, pois acredita que assim teria sido “melhor homem, médico e pai”. Sua experiência, como normalmente acontece com quem passa por uma EQM, foi transformadora, pois mudou sua visão de mundo. Ele passou a valorizar coisas às quais não dava muita importância, citando como exemplo o prazer de beber água. “Viver é a percepção dessas coisas simples. Enxergar o outro, o familiar, os filhos, os amigos, de uma forma diferente. O impacto dessa transformação traz a ideia de que morrer não dói, não é sofrimento, é uma passagem – espero que sempre para um lugar melhor”, declarou. O médico contou também que sua fé se aprofundou a partir da experiência. “A fé é a melhor medicação, não importa o que aconteça”, defendeu.

VISÃO ESPIRITUALISTA

O cardiologista Laércio Furlan, com 30 anos de experiência de trabalho em UTI, estudou a EQM a partir das muitas pesquisas feitas sobre o tema no mundo. Sua exposição mostrou alguns dos principais trabalhos de pesquisadores estrangeiros e brasileiros. Contou o caso de um paciente seu que teve parada cardíaca e foi reanimado, permanecendo em coma superficial durante algum tempo. O paciente, de nome Antônio, contou que havia presenciado, do alto, todos os procedimentos para sua reanimação. Disse também que havia visitado sua oficina durante esse período, pois estava preocupado por a haver deixado em desordem, mas constatou que a haviam arrumado.

Furlan discorreu sobre as três principais correntes que buscam explicar a EQM: as teorias do cérebro, que consideram o fenômeno como resultado de atividades eletroquímicas do cérebro; as teorias psicológicas e as teorias transcendentais, que indicam a existência da alma. O palestrante mostrou-se alinhado com esta última corrente.

O médico apresentou as principais pesquisas sobre o tema, ressaltando que os relatos de EQM existem nas mais variadas culturas, locais e épocas. Sua fala compreendeu a exposição dos trabalhos dos principais pesquisadores mundiais desse tema, como Pim Vam Lommel, Keneth Ring, Sharon Cooper, Melvin Morse, Bruce Greyson, Eben Alexander III e outros, a partir da pesquisa paradigmática de Raymond Moody Jr., autor da obra “Vida depois da vida”, publicada em 1975. Sua pesquisa indicou alguns pontos comuns na grande maioria das EQMs contadas por quem passou por elas: ouvir um zumbido, sentir paz e ausência de dor, ter experiência fora do corpo, viajar dentro de um túnel, sentir-se subindo ao céu, ver pessoas falecidas, especialmente familiares, encontrar seres espirituais, ver passar uma “revisão” da própria vida, sentir relutância em voltar.

Fiel à sua posição espiritualista, Furlan exibiu pesquisas de cientistas que admitem a existência de um espírito que sobrevive ao corpo físico, explicando conceitos como o de Modelo Organizador Biológico e tratando de fenômenos como a materialização e o ectoplasma. Ressaltou a universalidade das EQMs e o fato de grandes estudiosos do assunto aceitarem que a consciência independe do cérebro e permanece após a morte.

A TEOLOGIA

O padre Ricardo Hoeppers explicou que, para a teologia cristã ocidental, não existe o conceito de “quase morte”: ou se fala em vida, ou em morte. A grande questão é: o que vem depois da morte? Para o sacerdote, “o estudo sobre a morte é particularmente difícil por entrar no domínio do mistério humano, do qual só temos conhecimento pela revelação divina”. Entretanto, a humanidade acalenta o sonho da imortalidade. Muitas religiões acreditam na morte como passagem para outra vida. Biologicamente, a morte é um processo degenerativo. Entretanto, para além da degradação do corpo, permanece uma questão central – trata-se de saber se o que acaba com a morte é apenas o corpo ou também a pessoa. Não há evidências de que as pessoas que relatam EQMs tenham de fato morrido.

Pe. Hoeppers lembrou a passagem bíblica da transfiguração de Cristo, quando Moisés e Elias, já mortos, apareceram em corpo físico visível para os apóstolos. E citou a história de Túndalo, cavaleiro medieval do século 12. Contava o cavaleiro que, após se sentir mal, saiu do corpo e se deparou com demônios que o acusavam de seus pecados e queriam levá-lo ao inferno, mas foram impedidos por seu anjo da guarda. O anjo lhe mostrou o inferno e suas torturas e, depois, o paraíso. Túndalo então voltou ao corpo, após conhecer todos os espaços do céu e do inferno. A visão o fez mudar de vida, entregando seus bens à igreja e tornando-se um pregador.

Dois milênios de teologia cristã são suficientes para criar um legado a respeito da vida após a morte. A Igreja sempre falou da vida após o fim do corpo físico, em condições completamente novas. Embora não haja referências específicas às EQMs na teologia cristã, a subsistência da consciência é fato aceito pela teologia.

Às exposições dos palestrantes, seguiram-se algumas perguntas do público. As quase três horas do evento, cheio de muitas informações interessantes sobre o tema, estiveram, entretanto, longe de esgotar o assunto. Objeto de estudos científicos constantes há décadas, as Experiências de Quase Morte continuam a intrigar os pesquisadores e curiosos e constituem um campo no qual os avanços científicos deverão trazer novas e esclarecedoras revelações.

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