Paranismo: resgatando nossas raízes

Um prédio de concreto armado, uma pista de asfalto, um poste de iluminação pública. Cena que se pode encontrar em qualquer parte do mundo. A arquitetura moderna, sob a égide do arquiteto suíço Charles-Édouard Jeanneret, mundialmente conhecido como Le Corbusier, triunfou e tornou-se cosmopolita.

A necessidade de reconstrução da Europa arrasada pela Segunda Grande Guerra, a explosão demográfica, a descoberta de novos materiais e de novas técnicas na construção foram fatores decisivos para a adoção do conceito de casas como “máquinas de morar”, segundo definiu Le Corbusier. O que significou uma verdadeira revolução formal: tudo deveria ser funcional, sem adornos, considerados desnecessários – as habitações tinham que primar sobretudo pela praticidade. Concepção um tanto simplista, que desconsidera as necessidades humanas que vão além do material. O conceito de “praticidade” fez proliferarem edifícios sem nenhum atrativo estético: basta pensar nas estações rodoviárias de tantas cidades brasileiras, tão “funcionais” que é difícil sentir-se à vontade dentro delas.

Os estilos pré-modernistas, ao contrário, tinham raízes na psicologia dos diferentes povos que os produziram. É fácil identificar, numa casa tipicamente japonesa, ou polonesa, ou italiana, traços da mentalidade daqueles que a conceberam. O que criava uma natural harmonia entre o homem e seu habitat. E os imigrantes que chegaram ao Paraná trouxeram seus estilos, que podem ser reconhecidos ainda hoje.

PRESERVAÇÃO DAS RAÍZES

Num meritório esforço, órgãos públicos trabalham para preservar nossas raízes, manifestadas nos prédios característicos do passado curitibano. Preservar essas raízes históricas não significa simplesmente recordar um passado morto, mas promover o fortalecimento da personalidade de todos que têm ligações com esse passado.

Além dos estilos trazidos pelas colônias de imigrantes, o Paraná teve também seu estilo próprio: o estilo paranista, que se originou nos anos vinte.

O Paraná daquele tempo era deslumbrante: as fertilíssimas terras do Norte começavam a ser desmatadas para o plantio do café, verdadeiro “ouro verde” que impulsionou, na década seguinte, o progresso da região, tornando-se símbolo do estado. Para aqueles que habitavam as proximidades da fronteira entre São Paulo e Paraná, do lado de lá estavam os paulistas e, do nosso lado, os “paranistas”. A expressão, ouvida por Romário Martins dos lábios de um amigo recém-chegado do Norte do Estado, impressionou-o: não designava os nascidos nas regiões cujo desbravamento então começava, mas aqueles que se tinham lançado no novo “eldorado” em busca das riquezas da terra, dispostos a construir o Paraná. Romário Martins, desejando valorizar as coisas regionais, adotou então o termo “Paranismo”, para designar a paixão pela terra das araucárias.

Nas florestas paranaenses, sobressaía uma árvore diferente, altaneira, com seus braços lançando-se ao céu: o pinheiro araucária, tipicamente brasileiro, com maior concentração no Paraná. Assim como as terras férteis do Norte impressionavam os pioneiros, o pinheiro inspirava almas artísticas.

Três artistas paranaenses procuraram nas coisas típicas de nossa terra – em especial a pinha, o pinheiro e o pinhão – inspiração para suas obras, e foram a expressão maior do Paranismo nas artes: João Turin (escultor), Frederico Lange (conhecido como Lange de Morretes) e João Ghelfi (pintores).

JOÃO TURIN

João Turin fez inúmeros estudos para obras paranistas, chegando a existir em Curitiba casas nesse estilo, hoje demolidas. A antiga sede do Clube Curitibano, que ficava na Rua XV de Novembro, possuía uma sala paranista, decorada com móveis projetados por Turin. O artista desenhou também bancos de praça, luminárias, colunas e inúmeros objetos de decoração, tendo feito inclusive estudos para a construção de prédios para o Museu Paranaense e a Biblioteca Pública.

O movimento teve reflexos na música e na literatura. João Batista Groff criou, em 1927, com o objetivo de divulgar o Paranismo, a revista Ilustração Paranaense, “Mensário Paranista de Arte e Atualidades”, que circulou até 1931.

Do Movimento Paranista original, poucos resquícios restam hoje. O estilo está presente, por exemplo, nas rosáceas de pinhões das calçadas de petit pavé, desenhadas por Frederico Lange.

A memória de João Turin foi preservada com a criação da Casa João Turin, instalada na Rua Mateus Leme, 38, nas imediações do Largo da Ordem. Elisabete Turin dos Santos, sobrinha-neta do artista e diretora da Casa, está recolhendo dados sobre o Movimento Paranista, visando à eventual publicação de um livro a respeito, já que faltam fontes bibliográficas sobre este que foi um dos mais característicos fenômenos artísticos do Brasil neste século.

AÇÃO DA PREFEITURA

A Prefeitura Municipal, visando à valorização turística da cidade, tem feito obras baseadas em modelos importados. O professor Agostinho Aguiar, do curso de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, afirma que a Prefeitura Municipal tem procurado fazer com que Curitiba seja diferente das demais cidades brasileiras. Para isso, tem se baseado muito na arquitetura européia: exemplo disso é o Jardim Botânico, que, conforme explica Aguiar, é inspirado nos jardins botânicos de Viena e Bruxelas.

Na opinião de Aguiar, além do estilo Paranista, caracterizado basicamente por pinheiros, deveria também ser explorada a arquitetura eslava, justamente pela forte influência das colonizações polonesa e ucraniana no Paraná, o que já é um diferencial da região em relação a outros lugares do país. O professor acredita que é possível explorar bastante os elementos arquitetônicos característicos desse estilo. Como exemplo, cita os velhos lambrequins (desenhos recortados nas bordas de madeira dos telhados das casas de cumeeira alta) e indaga por que não são usados elementos desse estilo “tão belo e característico”. Ele ainda enfatiza que telhados altos também poderiam ser usados para lembrar esse estilo arquitetônico.

Aguiar, falando em Paranismo, cita o artista plástivo Poty Lazaroto como maior nome atualmente na arte Paranista e menciona o painel vertical com motivos Paranistas encontrado no Hotel Paraná Suíte (o maior painel vertical do artista). “Poty era filho de ferroviário, e sua obra é muito inspirada na época da infância, por isso podemos observar com freqüência ilustrações ligadas a trens e ferrovias, sempre com desenhos estilizados de pinheiros, que, sem dúvida, são reconhecidos internacionalmente. Poty residiu por algum tempo em Paris, e lá, bem como em vários países, sua obra é bastante apreciada” , comenta Aguiar.

O professor da PUC comenta ainda a influência de estilos importados na arquitetura contemporânea: “Modernamente, há pouco tempo, estava em moda o uso do pano de vidro, que pode ser observado em inúmeros edifícios, caracterizando-se pelos enormes paredões em vidro; atualmente, há uma mistura de formas geométricas com o estilo Bizantino, que é uma inluência da arquitetura moderna americana, bem caracterizada pela reforma do Design Center de New York , que foi feita nesse estilo.”

RESGATE

Outro professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Alexandre Ton dos Santos, acredita que o Paranismo foi uma tentativa de se resgatarem as características locais, que teve seu início a partir do artista plástico Lange de Morretes, quando este propôs as Colunas Paranistas, que lembram um tronco de pinheiro ilustrado com motivos característicos.

Para Santos, que afirma estar havendo hoje uma tendência de retorno do Paranismo, a maior influência do movimento são as calçadas da rua XV e as faixas de pedestre ilustradas com pinhões. Ele ainda fala do novo Museu da Prefeitura, o Memorial dos 300 Anos, que está sendo construído no Largo da Ordem. “O Museu será todo feito em metal centrado numa grande pilastra lembrando um pinheiro e usando vários elementos Paranistas.”

No entanto, Santos explica que a coluna Paranista não é uma criação nossa. Ela é baseada num modelo europeu no qual o destaque são os carvalhos e, segundo ele, não são apenas as colunas que são baseadas em modelos estrangeiros: os pilares também trocaram os velhos motivos greco-romanos por motivos Paranistas. Colunas nas quais antes eram usadas folhas de parreira para decorar seu topo agora usam pinheiros estilizados.

Algumas tentativas de valorização dos motivos Paranistas causam polêmica. As faixas de pedestres nas ruas de Curitiba são condenadas por pessoas que alegam estarem elas em desacordo com as convenções internacionais de trânsito, podendo inclusive causar acidentes – é o que comenta o superintendente da Secretaria de Obras do Município, Saburo Ito. Ele afirma que o uso de motivos paranistas nas obras públicas tem o objetivo de apoio ao turismo.

Em algumas obras, os motivos Paranistas aparecem bastante. O Champagnat Shopping Center, por exemplo, em estilo pós-moderno com influência art decô, usa motivos paranaenses na decoração: um grande pinheiro estilizado, gralhas azuis, pinhões – homenagem dos empreendedores do Shopping, Alfredo e Virgínia Gulin, ao estado onde eles têm suas raízes.

Embora o movimento Paranista original tenha sido tragado pela onda avassaladora do Modernismo, hoje há artistas e arquitetos paranaenses que procuram retomar os temas regionais como inspiração para suas obras. Mais do que um movimento artístico, entretanto, o Paranismo foi um estado de espírito, embasado na busca de uma identidade regional. À medida  que as coisas de nossa terra forem valorizadas, poderão surgir naturalmente novas expressões culturais.

[Jornal Indústria & Comércio, Curitiba-PR, 16 mar. 1994]

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